Editora Biblioteca Azul
Editora Alfaguara
Listas marotas: 5 livros com protagonistas idosos! | Parte I
quinta-feira, dezembro 06, 2018![]() |
Fonte: Pixabay |
| Por Clara Taveira |
Começando um novo projeto no Capitu Já Leu, a partir de hoje teremos aqui listas envolvendo determinados temas ou características! Sou bem apaixonada por esse tipo de seleção, então por que não fazer com as minhas leituras? :)
A de hoje é sobre vovôs e vovós! Chega mais!
Chega Mais
[Parte II] Catete: o paraíso dos livros usados | Chega Mais
quarta-feira, outubro 31, 2018
| Por Clara Taveira |
Continuando com a série de posts sobre livreiros do Catete, esse meu país maravilhoso dos livros usados, hoje falaremos da Dona Alda!
(Caso não tenha visto a parte I, clique aqui: [Parte I] Catete: o paraíso dos livros usados | Chega Mais
(Caso não tenha visto a parte I, clique aqui: [Parte I] Catete: o paraíso dos livros usados | Chega Mais
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Ok, mea culpa: eu não tenho fotos da Dona Alda, só dos livros. Perdão. |
Nome da livreira: Dona Alda
Ponto de venda: Rua Dois de Dezembro, esquina com a Rua do Catete. É só buscar o KFC, que você vai encontrar dona Alda rapidinho!
Faixa de preço: muito boa! Entre cinco e quinze reais, normalmente.
Dona Alda costuma dar o preço olhando para o livro, então pode ser um pouco chato para pessoas tímidas, que têm vergonha de perguntar. Mas eu posso dar as médias de acordo com categorias, para facilitar:
- Lançamentos e best-sellers variam entre oito e vinte reais. De vez em quando ela dá umas escapulidas e cobra trinta reais de um livro lacrado, mas não é algo que faz sempre. O normal é o livro novo custar uns dez reais.
- Livros menos pop (por exemplo, um Milton Hatoum ou um Michel Laub) costumam ser cinco, oito reais, aproximadamente.
- CDs custam sempre cinco reais.
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Um print do Street View: de um lado, o KFC do Catete. Do outro, a barraca da Dona Alda! |
A barraca da Dona Alda é bem diversa, há ficção, autoajuda, CDs, infantis, enfim, um monte de coisa legal! É um cadinho difícil de olhar de vez em quando, porque há dias em que ela coloca MUITA coisa. CDs, por exemplo, eu já desisti de olhar, preciso tirar um monte de coisa de cima e puxar as pilhas para conseguir ver, e como sou desastrada, acabo derrubando coisas. Espero que um dia ela facilite o acesso às lombadas dos livros e laterais dos CDs, pois é a única coisa que não me anima muito nos dias de turismo literário pelo Catete.
Fora isso, é um prato cheio! Ela é simpática, te dá liberdade para olhar, não fica em cima nem nada, e os preços são ó: show de bola. A barraca da Dona Alda deveria ser tombada como patrimônio do Catete! :D
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Na dúvida: procure o KFC. Ó ele ali atrás! |
Colaboradores
[Colaboradores] Tudo Aquilo que nos Separa, de Rosie Walsh
quarta-feira, outubro 24, 2018
| Por Aurélia Cruz |
Você já levou um toco? É, é isso mesmo, um toco. Aquela ignorada básica que te deixa com a cara no chão, que te faz olhar no espelho e se perguntar:
— Mas como assim ele não me ligou?
E aí, como você lidou com isso? Ficou na sua ou correu atrás, enfrentando até as últimas consequências?
É o que acontece com Sarah Mackey e transforma toda sua vida para sempre.
Quando, ao sétimo dia de uma gostosa e inebriante aventura amorosa, Eddie David segue para seu período de férias programado anteriormente com seu amigo, Sarah nem de longe imagina o tamanho do sofrimento e da carga de dúvidas que a esperam dali para frente. Ela simplesmente aguarda por aquela ligação, combinada em meio a beijos e sussurros, que deveria acontecer assim que seu mais novo caso de amor chegasse ao aeroporto. Afinal, depois de sete dias de muita cumplicidade e envolvimento, não há dúvidas de que Eddie vai cumprir prontamente o que foi combinado, certo?
Errado. Eddie não liga e simplesmente desaparece. E é neste momento que uma intrincada história se desenrola diante de nossos olhos, nos enganando e ludibriando a cada página que passa, para, no final, tal qual Eddie mostrou com maestria à Sarah, nos provar que nada é o que parece ser.
“Não foi um adeus. Não foi nem de longe um adeus. Desde quando “adeus” envolve as palavras “Eu acho que me apaixonei por você?”
Recém-saída de um casamento fracassado que não despertava nem mesmo a tristeza em seu coração e seguindo contra todas as expectativas das pessoas mais próximas, Sarah se apaixona por Eddie em um dia escaldante, diante de uma situação um tanto quanto bizarra. Ela havia acabado de sair de um casamento, pelo amor de Deus! Seus amigos esperavam um longo período de depressão por Reuben, mas nem de longe isso fazia parte de seus pensamentos.
“Serão necessários muitos meses até você se permitir nutrir sentimentos autênticos por outro homem, haviam me informado pela manhã.”
Porém nem em seus piores pesadelos ela poderia imaginar o que o destino havia reservado para essa nova fase de sua vida. Depois de dar a volta por cima da situação mais dolorosa pela qual poderia passar, fugir para os Estados Unidos com o coração em frangalhos, fundar uma genial ONG infantil em Los Angeles e viver por dezessete anos um casamento dos sonhos com um americano padrão, Sarah se vê de volta às suas origens e às voltas com medos e inseguranças enterrados em um lado obscuro de sua vida que não deve ser revisitado, mas que é imediatamente confrontado com o sumiço de Eddie. Da mulher que viajava o mundo proferindo palestras e encantando pessoas para uma simples stalker desesperada por encontrar seu alvo.
Em meio aos alertas e conselhos de seus amigos, Sarah parte em uma busca enlouquecedora pela chance de felicidade que escapou pelos dedos, sem ao menos lhe deixar pistas dos motivos por trás da mudança tão grande de atitude do homem que parecia sereno e resoluto há apenas alguns dias. Ela tem certeza que algo muito grave aconteceu para que Eddie sumisse dessa forma. Só isso justificaria todos os seus planos caindo por terra.
“Durante alguns dias, eu me convenci de que estava tudo bem. Seria absurdo – loucura, até – duvidar do que havia acontecido entre nós.”
Neste romance denso e muito bem escrito, nos deparamos com uma intrincada rede de relacionamentos humanos que despertam a mais variada gama de confrontos e de momentos de superação. Todos interligados à única coisa que pode atrapalhar o romance entre Sarah e Eddie: a verdade.
Brigas, intrigas, traumas do passado e um esforço contínuo para sobreviver ao caos fazem de Sarah uma personagem ricamente construída que segue pelos caminhos obscuros e traumáticos da vida até sua redenção, promovida pela presença de Eddie, um estranho e simpático homem que surge em uma grande pegadinha do destino, para provar que nem mesmo as convenções mais arraigadas são capazes de destruir um grande amor.
“Dobro o corpo para a frente, e um soluço de espanto, de alegria, de alívio, de assombro, de um milhão de coisas que eu não saberia nomear, me escapa. Parece uma risada. Poderia ser uma risada. Cubro o rosto com as mãos e choro.”
Gostou do livro e quer dar uma olhada? Comprando por esse link, você ajuda o CJL a se manter e não paga nada por isso! :)
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Foto retirada do Wikipedia |
| Por Clara Taveira |
Em 2010, conheci Raphael, meu marido. Ele foi criado no Catete, um bairro da zona sul carioca que se difere bastante dos clássicos de turismo do eixo Leblon-Ipanema-Copacabana-Botafogo-Flamengo. Claro, há muita coisa a ser explorada aqui também, mas o Catete é bem menos "quiet nights and quiet stars". Ele está mais puxado para o outro eixo de turismo do Rio, Largo-do-Machado-Glória-Santa-Teresa-Centro e por aí vai.
Eu sou meio bicho do mato, então não sei exatamente te explicar a diferença... conceitual entre um pedaço e outro do Rio. Mas há uma coisinha que eu sou especialista, modesta às favas, exatamente pela convivência com Raphael e por, claro, morar no bairro: o mercado maravilhoso de livros usados do Catete, responsável por 95% da minha biblioteca.
É sério, eu não estou brincando. Há MUITOS livreiros de rua no bairro, MUITOS. Se eu for listar por nome, passo o dia aqui (mas ok, só para vocês terem uma ideia do que estou falando: Lúcia, Alda, Seu Firmino, Enderson, Sérgio, seu José, o moço que ainda não sei o nome na Rua do Catete...). De sebos, sebos mesmo, tipo livraria, temos somente o Beta de Aquarius (que já é uma beleza). Mas de "camelôs de livros"... Ó, é um passeio.
Recentemente, uma amiga minha avisou que ia se mudar para o Rio, e eu tratei de combinar um café na Cultura. Não deu tempo, Cine Vitória fechou. Por mais triste que eu tenha ficado, logo pensei "espera, por que estou marcando coisas em livrarias quando eu moro no paraíso dos livros de segunda mão?" Já corrigi meu erritcho e marquei com ela um tour pelo bairro.
Pensando nesse tour, decidi fazer uma série de pequenos textos no CJL sobre esses achados, patrimônio do Catete, e vamos conhecer cada um deles. Eu tenho um pouco de vergonha de pedir para tirar fotos, então vou trabalhar com imagens que peguei na internet, cada um com seu devido crédito na legenda, combinado?
O post para inaugurar é sobre o livreiro José Marcos da Souza!
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Fonte: BBC. Clique na foto para ver a reportagem completa! |
Nome do livreiro: Seu José
Ponto de venda: Praia do Flamengo, esquina com a Rua Barão do Flamengo.
Faixa de preço: ridícula! Normalmente, três livros por 10 reais. Ele vive de doações, está em situação de rua, então pode ir lá doar livros, além de comprar!
E vai por mim: você vai comprar. Só um exemplo, para dar um gostinho, do que a gente encontra lá:
Como somos "habitués", ele de vez em quando faz uns preços doidos, tipo 4 por 10 (como o caso da foto), mas nós compensamos doando livros vira e mexe, não se preocupe.
Sim, cada um dos livros da foto custou menos de 3 reais. Dois e cinquenta, para ser mais exata. Viu o Laranja Mecânica, capa dura e tudo? É isso.
Há MUITOS outros livros dele aqui em casa, tenho tentado postar no Instagram do Capitu Já Leu (que não se chama Capitu já leu, se chama 111livros <= clique no nome e dê uma olhadinha), mas de vez em quando eu até esqueço, de tão feliz que fico com as aquisições.
Seu José é muito, muito gente boa, indica livros, mas também te deixa olhar sem ficar muito em cima - boa pedida para pessoas tímidas!
Lembrando, ele está na esquina da Rua Barão do Flamengo. Para chegar ali, o mais legal é pegar o metrô e saltar no Largo do Machado. Dali, é um pulinho para a lona dele, logo perto desse coqueiro, veja:
Nesse print do Maps ele não aparece exatamente pela data: 2016. Ele ainda não estava vendendo livros, não estava em situação de rua, então acabou não aparecendo, como outros que são clicados pelo carro do Google.
Ir ao Seu José é uma das coisas mais divertidas de nossa rotina. Ele está lá diariamente, salvo quando chove, claro. Vale a pena a ida.
Ah, se você gosta de açaí (mas açaí de verdade, de Belém, não essa loucura que vende no rio, com xarope de guaraná e outras heresias), aproveita para tomar um baldão no Tacacá do Norte, exatamente na Rua Barão do Flamengo! Une dois passeios em um só: um rango gostoso e um encontro bacana com alguém muito legal!
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Fonte: BBC. Ele não fica exatamente entre esses vasinhos por enquanto, porque está acontecendo uma obra. Mas fica sempre nos coqueiros, vai por mim! :) |
| Por Raphael Pellegrini |
Tudo começa como nos filmes. De um lado da praça o rapaz está encostado em um canto, olhando o movimento. Do outro, uma menina, junto de mais duas ou três amigas, passa pelo campo de visão do garoto, que subitamente é atraído por aquele movimento. E esse é o primeiro contato. Uma espiada, rápida, fugidia, distante, mas suficiente para criar uma linha de conexão. Antes eram dois sujeitos seguindo suas vidas, depois desse momento, um dos dois já não vê mais o mundo da mesma forma.
Mas o acaso é algo bastante engraçado. Aquele grupo de meninas poderia simplesmente estar no caminho de algum evento importante, poderia, cada uma das meninas, voltando para casa, com pressa, porque o último capítulo da novela preferida iria ao ar em poucos minutos. Uma delas, inclusive, atravessara a praça com tamanha pressa que nem notara o que ocorria no entorno. Só pensava na televisão que ainda estava desligada, no sofá que ainda não estava preparado e nas suas vestimentas. Sim, porque não existe possibilidade de assistir ao último capítulo e viver as emoções de um último capítulo com a mesma roupa usada na rua. A novela pede o pijama, a roupa confortável, a liberdade completa de movimentos. Pede o conjunto completo, que vai desde a simultaneidade de milhares de pessoas estarem assistindo juntas as mesmas cenas, até o cheiro e a textura da roupa confortável, usada nos momentos mais relaxados da vida. Mas, enfim, isso é apenas uma hipótese e nem mesmo existe novela nesse momento. O que acontece naquele dia, o do encontro fugidio de olhares é uma pequenas festa junina na praça.
Algumas barracas com brincadeiras, muitas crianças correndo, idosos sentados e pais de meia-idade comendo espetinhos. Há também os jovens, em grupos - como as meninas - e outros um tanto mais reservados, olhando o movimento. Há também os românticos, aqueles que se apaixonam pela presença de pessoas, pelos sorrisos trocados, pelos amores despertados em questões de segundos. Bem, esse é o caso do jovem encostado no canto. Ele é um romântico, e por isso observa as crianças correndo, os idosos conversando e os pais de meia-idade comendo. Participa da festa apenas com sua presença feliz, um corpo de alegria por estar naquele local com tanta gente.
Mas não é somente de alegria dos outros que ele se alimenta. Aquele grupo de meninas passando produziu um efeito diferente em seu coração. Algo quase visual. De um instante para o outro, as crianças foram parando de correr e gritar, os idosos começaram a sussurrar, os pais se mantiveram de bocas fechadas. Também acontece um pequeno problema técnico e parte da iluminação do local se apaga. Provavelmente uma das crianças tropeçou nos fios do gerador e uma tomada foi desconectada. Mas a praça não fica totalmente às escuras, um holofote permanece acesso, e bem, ela, aquela que fez tudo isso acontecer em seu coração se ilumina em contraposição de todo o escuro do entorno.
São breves momentos, mas desde quando o tempo é linear? Um segundo depois do outro? Balela! Aquele momento dura minutos, horas, uma vida inteira condensada em microssegundos. E depois tudo volta ao normal, quer dizer, nem tudo. Agora, para o rapaz, existe no mundo uma pessoa que é capaz de produzir tudo isso. A questão que surge ao romântico é direta: o que fazer a partir daí? Se apresentar, trocar olhares, buscar saber o nome, se apresentar ou simplesmente voltar para casa com a felicidade de ter vivido um momento de extrema felicidade?
Mas o destino é caprichoso e muitas vezes não facilita a vida das pessoas. Pois bem, a menina responsável por toda a revolução no coração do romântico para exatamente em frente a ele. No início apenas observa o entorno, como se procurando a barraca de pipoca? Ou seria a de churros? Talvez nenhuma das duas. O importante é que na busca, encontra algo que não esperava.
Esse encontro é deveras estranho, porque ela sempre imaginou que só acontecesse naquele tipo de novela, que na nossa hipótese inicial apresentaria o último capítulo exatamente naquele momento. Os efeitos são bem similares ao do jovem: crianças silenciando, idosos sussurrando, pais de meia-idade de boca cheia, luzes se apagando, luz se acendendo. Tempo desconjuntado, desarrumado, coração acelerado.
Pronto, enfim o primeiro contato se estabeleceu. Ufa, como é difícil fazer duas pessoas se encontrarem.
A partir daí tudo ocorre como um roteiro. Ele dá um sorriso tímido, que não dura nem um segundo - enquanto se pergunta mentalmente se não está sendo patético ou se a menina não olha para alguém que esteja vindo por trás. Quem olharia para um garoto como eu, pensa ele simplesmente por achar que aquela felicidade de ser correspondido seria demais para uma noite, ainda mais de viver toda aquela cena em câmera lenta.
Ela, por sua vez, retribui o gesto e cochicha com as amigas, que também já notaram um desajuste na amiga. Sabe aquele momento em que você percebe que seu amigo já não escuta mais a conversa? As piadas perdem o tempo certo do riso e da réplica, e as expressões faciais já não acompanham o tom da conversa. É nessa hora que todas pensam: ok, definitivamente está acontecendo algo com ela. No que ela está pensando?
A resposta produz um riso contido em todas e milhares de pensamentos diversos. Julgamentos felizes, desejos reprimidos, projeções e imaginações. Também produz conselhos, dicas, cutucões com os cotovelos e zombaria. E nesse momento o rapaz entende: mesmo que não tenha decidido o que fazer, o destino fez isso por ele (o talvez tenham sido as meninas), e o momento do cortejo se iniciou. O primeiro encontro ocorreu e foi muito bem-sucedido, dando a oportunidade de ir além e, quem sabe, após essa fase, o rapaz não consiga até mesmo ter a possibilidade de se apresentar?
Com o novo momento iniciado, o primeiro movimento do rapaz é bastante assertivo, ele não quer deixar dúvidas sobre a possibilidade de ter entendido o movimento da garota e nem mesmo se mostrar desinteressado. Assim, ele caminha até algumas barracas próximas ao grupo. Durante o movimento se questiona se deveria ir até uma barraca com brincadeiras - exibir suas capacidades em busca de um prêmio pareceria primitivo? Infantil? São duas opções naquele momento: o jogo de argolas ou a barraca de pipoca.
A cada passo tende para um lado. Direita, argolas, esquerda, pipoca. Argolas, esquerda, direita, pipoca... E assim vai caminhando lentamente sob o olhar atento do grupo de meninas. Por fim, decide pela pipoca, afinal, poderiam compartilhar a guloseima enquanto conversam. Se o assunto não fluísse, pelo menos teriam motivo para manter a boca ocupada.
Já com o pacote em mãos - escolheu a doce e mediu a quantidade de leite condensado de maneira criteriosa, o suficiente para adoçar, mas sem que tornasse o pacote uma meleca contagiosa - senta em um canto bastante iluminado, já que não gostaria de passar uma impressão errada, afinal ele é o romântico da praça, lembre-se disso, leitor.
Como um jogador de xadrez, termina seu movimento e aperta o botão, passando a vez. Agora é a vez da menina de cortejá-lo e de mostrar que também deseja uma aproximação. Se tudo acabar ali, com o rapaz comendo pipoca e a menina conversando com as amigas, tudo bem. Muitas sensações gostosas foram vividas, e isso é o suficiente. Mas o destino é muito inteligente e detalhista. Eram três garotas no grupo, mas sua ação se deu exatamente naquela que desejava escapar do grupo de amigas. As duas outras moças eram interessantes, lindas e tudo mais, o problema é que uma estava zangada com o namorado, por uma briga boba, e a outra estava apaixonada por um rapaz da igreja. Assim, todas as conversas só giravam em torno da injustiça de um e das qualidades do outro. E, bem, nossa mocinha romântica só desejava uma história para si.
Assim, vendo a possibilidade de construir seu próprio caminho, e de lambuja ainda escapar daquela tautologia interminável, se despede das amigas e se direciona ao local que o rapaz romântico a espera. Será que espera mesmo? Será que isso não é apenas uma loucura da cabeça da jovem, um desejo produzido pela vontade de se livrar momentaneamente das amigas?
Ai, droga, eu sou uma idiota! Como assim eu vou sentar ao lado dele? E se eu tiver entendido tudo errado? Droga, não dá mais para voltar, ele me viu. Droga... droga... Ok, respire, pode não ser nada, eu levanto daqui a cinco minutos. Já sei, posso desamarrar o tênis, dando a entender que sentei ali somente porque o cadarço estava muito apertado e eu queria dar uma folga para meus pés. Isso, pronto, tudo certo. É só eu sentar e começar a desamarrar e amarrar o tênis. Ele vai ter uns trinta segundos para falar alguma coisa e, se não disser nada, eu levanto e volto para as duas. Isso, seguro, sem chances de levar um fora tão na cara.
E assim ela senta e faz tudo como o roteiro. Olha para ele, quase como um pedido de licença por sentar naquele local, desamarra o pé direito com calma, puxa a lapela e começa a amarrar novamente, dessa vez com delicadeza, deixando evidente que está ali apenas para afrouxar os cadarços. Ele, por sua vez, observa a cena e pensa em mil possibilidades de começar um assunto. Aquilo não pode ser um acaso do destino. Ela tinha olhado para ele, tinha sorrido, ele já tinha entendido. Ele dera o passo de iniciar o cortejo e ela havia correspondido.
Anda, pensa em algo. Diga alguma coisa. Droga, ela está soltando o cadarço do outro pé. Ela vai embora assim que terminar. Anda, não deixa passar.
Ok, dessa vez você foi muito longe em achar que esse garoto olhou para você, comprou uma pipoca só para você saber onde ele estava e depois sentou nesse local somente para esperar sua aproximação. Talvez seja hora de ouvir os conselhos de todos e dar uma chance para aquele chato.
Quando o segundo laço está quase finalizado, surge um pequeníssimo sussurro:
- Você aceita uma? - ele diz, colocando o pacote de pipoca no campo de visão dela.
- Poxa, obrigada.
Os dois comem silenciosamente, pensando quem daria o próximo passo, se existiria um próximo passo, com medo de ser um enorme erro. Gritos silenciosos, ritmados pelas batidas do coração. Até que novamente ele retoma a conversa, dessa vez com um pouco mais de coragem.
- Qual é o seu nome?
Editora Intrínseca
Diário de Leitura com Spoiler #7 Trilha Sonora Para o Fim dos Tempos, de Anthony Marra
segunda-feira, outubro 15, 2018
Parte I - Escrito em 13/10/2018
Tudo bem, não tenho como provar isso, e tal afirmação também não pode ser tão assertiva. Conheci Marra há menos de vinte e quatro horas e nada sei, de fato, sobre sua vida ou hábitos de leitura. Mas sei que se em algum momento ele falou verdadeiramente sobre alguma obra que o tenha influenciado a escrever essa história, com certeza ele pelo menos pensou em Ray Bradbury e nos andarilhos do fim do livro.
Mas de onde veio tal pensamento?
Surgiu do pequeno, das microscópicas astúcias de cada personagem, que fazem pela memória narrada no boca a boca a história atravessar os tempos mais sombrios, sejam eles em um dos extremos que Baumann menciona (segurança), sejam no extremo da liberdade.
Até esse momento da leitura, essas são ideias bastante trabalhadas. A violência se faz nos extremos, por isso, em tempos de mudanças radicais, é difícil apontar vilões e heróis. Ou talvez seja sempre impossível fazer isso, já que simplifica a vida de um modo absurdo.
A questão é que Anthony traz uma narrativa belíssima de pequenas desobediências, que buscam, em suas invisibilidades, marcar na história uma narrativa dissonante. Uma outra voz à história consagrada. Lembrei, logicamente de Michel de Certeau e seus praticantes do cotidiano, que sem ter poder, borram a história consagrada, jogando com o impoder de suas práticas. Fazem astutamente gestos, imprimem marcas, escrevem histórias, que só podem ser lidas por alguns poucos que, talvez num acaso, consigam encontrar uma garrafa perdida no meio do oceano com a mensagem depositada.
Lembrei de Ginzburg e o paradigma indiciário. Sobre as marcas que pintores imprimem em quadros, detalhes imperceptíveis... Será mesmo?
E daí lanço mais uma certeza: Marra leu Ginzburg e decidiu fazer sua história a partir daquilo que Morelli conta.
Durante a leitura desses três primeiros contos marquei muita coisa, mas talvez esse texto poderia ser resumido somente na seguinte passagem, quando uma artista restaura uma obra modificada pelo regime stalinista, fazendo com que a pintura voltasse ao original:
"Não tomamos as ruas; não derrubamos governos nem trocamos líderes; nossa insurreição ocorreu em dez centímetros de tela."
Ou
"Demo-lhes tudo o que pudemos, mas nossa maior dádiva foi transmitir-lhes nossa própria marca de pessoas comuns. Eles podem reclamar de nós, podem achar que devíamos ser mais ambiciosas e me os bitoladas, mas algum dia vão perceber que só permanecem vivos graças ao que os torna comuns."
Parte II - Escrito em 15/10/2018
Por favor, somente continue por mais algumas páginas. Talvez seja essa a sensação nesse momento da leitura. O livro de Anthony Marra tem produzido quase a mesma sensação que um bom disco: um começo empolgante, seguido de um desejo de desbravar a próxima faixa e, por fim, a vontade que o disco se alongue um pouquinho mais, porque são apenas dez faixas, e você já está na oitava.
Relendo o que escrevi sobre os três primeiros contos da história, percebo que não mudaria uma letra, mas nesse momento posso acrescentar algumas. Acrescento que nunca imaginei encontrar uma narrativa que trouxesse a mesma sensação que tive ao ler A Visita Cruel do Tempo. Diferentemente da história de Egan, aqui temos a estrutura um pouco mais frouxa no que toca uma ideia de romance. Em compensação, a ideia de se tratar de um livro de contos também não cola. Existe em Trilha Sonora Para o Fim dos Tempos o mesmo movimento de pular no tempo e na voz de personagens para, dessa forma, compor cenários diversos e lacunados. Como na vida, nunca se sabe tudo por todos os pontos de vista.
E quanta beleza nos pequenos gestos existe nesse livro. Talvez seja isso que mais brilhe para mim nessa leitura, a potência do pequeno, do desimportante, daquilo que, no nosso cotidiano, não tem valor algum. Como metáfora disso, retomo a fita que Kolya carrega consigo, com a instrução de ouvir somente quando estiver em seu último momento de vida.
O conteúdo da fita, assim como em A Carta Roubada, de Poe, não é ouvido/lida, existe e não existe ao mesmo tempo, porque seu conteúdo não importa. A fita é uma materialidade de um gesto, uma âncora presa em um tempo e espaço diverso, em que os laços mais fortes se constituíram. Pensei nela também como um permanente lembrete de que mesmo na maior das desumanidades, aquele pedaço de plástico é um farol de esperança, mesmo que não mude a situação vivida por Kolya. A vida continuará degradante, mas o carinho do irmão permanecerá junto dele até o último dos dias.
"Eu dei a fita a Kolya no dia em que foi embora...
- Eu não tenho toca-fitas - disse ele.
- Não tem problema - respondi.
- Não tem problema - repetiu ele.
- Volte para casa - mal consegui dizer."
De certa forma, nada pode mudar aquilo. Mas, mesmo assim, ainda existe um elo entre esse mundo sem humanidade e uma outra forma de existência guardada na memória afetiva, no laço de amizade, na crença de um amor capaz de se manter vivo, mesmo que somente na lembrança.
Lembrança essa bastante trabalhada em Fahrenheit. Seria essa a saída de Marra e Bradbury para o fim dos tempos?
| Por Clara Taveira |
Ainda nessa vibe (muito querida) de produzir textos caóticos sem me importar muito com forma ou qualquer outra coisa, eis que surge esse livro para resenhar. O discurso do autor Neil Gaiman, que apareceu em promoção, e eu sentei o dedo na compra da Amazon sem nem hesitar.
Já tinha visto o vídeo do discurso (estará disponível no final desse post, se eu me lembrar depois de escrever e revisar tudo), e exatamente por isso eu quis olhar a versão impressa. Ouvi muitas coisas boas (e outras igualmente ruins) sobre o trabalho de Chap Kidd, o designer, então decidi dar uma chance. Ultimamente, toda vez que eu digo "decidi dar uma chance", as coisas têm se mostrado esplêndidas. Esse texto vai mostrar que a compra de FBA não foi uma exceção.
Aviso: ele não é uma resenha. É uma impressão de leitura REPLETA de informações pessoais. Se você deseja uma resenha literalmente, há outros textos bacanas para você ler, tá? Mas fica aqui, vai ter bolo no final.
Aviso: ele não é uma resenha. É uma impressão de leitura REPLETA de informações pessoais. Se você deseja uma resenha literalmente, há outros textos bacanas para você ler, tá? Mas fica aqui, vai ter bolo no final.
Sou autora. Romancista por vocação. Especificamente, de romances românticos. Como brinquei no grupo que tenho com minhas leitoras no WhatsApp, o lance é que eu sou uma velha amarga e romântica, então não tem jeito: gosto de histórias de amor, mesmo que afogadas em calda de ironia, humor e sarcasmo.
Comecei a escrever meu primeiro livro, "Lena", creio que... em 2014? Eu tava com uns 20 e poucos, não me recordo exatamente minha idade, mas sei que foi antes de casar. Em 2015, já casada, comecei a publicá-lo na plataforma Wattpad. O que seria um livro único se transformou em uma "duologia" (melhor neologismo do século, não acham?), que foi publicada na Amazon.
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Possíveis capas de uma possível nova versão da duologia... Quem sabe? :) |
Menos de dois anos depois, a duologia saiu do ar. Eu não estava satisfeita com ela DE MODO ALGUM. Troquei de capa um milhão de vezes, achando que era esse o problema, mas não era.
Um tempo antes-durante-depois dessa decisão, publiquei outra história, com a mesma protagonista, Helena Maria, chamada Amor nas Alturas. Fiquei muito mais contente com o resultado, e na hora de editar para lançar na Amazon, dividi em três partes, que viraram a trilogia Amor nas Alturas. A história da trilogia começa exatamente onde a história da duologia terminava. Enquanto a primeira mostra Lena aos 28 anos, a segunda ia até o finalzinho dos 27.
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Quem tiver interesse, é só clicar na foto, e você será direcionado à Amazon. O livro também está disponível em edição física, volume único, pela Editora Livros Prontos. :) |
A grande diferença entre a duologia e a trilogia, além das propostas (romance de formação X romance romântico), das idades, dos cenários (Brasil X Turnê pela Europa + Brasil) foi o momento. Pressa, não conhecimento, falta de estudo e leituras, falta de uma edição profissional, enfim, diversos fatores gritam na minha cara que eu fiz bem em retirar a duologia Lena do ar. Era outro momento, outra Clara. Inclusive, na época, eu usava o sobrenome da família do meu avô, Taveira. Hoje, uso da família de minha mãe, Caraciolo. Parece besteira, mas não é. Há uma diferença enorme aí entre usar o sobrenome de alguém que eu não conheci e o usar o sobrenome de minha mãe, minha vó, enfim, dessa família louca que inspirou muitas personagens femininas minhas.
O lance é que eu entrei agora em uma nova fase da minha escrita. A primeira foi com a duologia, a segunda foi com a trilogia e todos os outros, e a terceira começa agora, comigo exclusivamente pensando em... fazer boa arte.
Vamos ao livro do Gaiman, enfim.
"Em maio de 2012 o autor best-seller Neil Gaiman subiu ao palco da University of the Arts na Filadélfia para fazer um discurso de formatura. Durante dezenove minutos ele dividiu com os formandos suas ideias sobre criatividade, bravura e força, encorajando os novos pintores, músicos, escritores e sonhadores a quebrar as regras, pensar de forma inovadora e, acima de tudo, FAZER BOA ARTE.
O discurso virou um livro, idealizado pelo renomado designer gráfico Chip Kidd, que contém o texto inspirador de Gaiman na íntegra. Seja para um jovem artista no início de sua jornada criativa, ou como sinal de gratidão para um mestre a quem se admira, ou para você mesmo, essa obra é o presente ideal para quem dá tudo de si a fim de fazer bem-feito o que faz.
O oceano no fim do caminho, sua primeira obra lançada pela Intrínseca, ultrapassou a casa dos 40.000 exemplares vendidos.
Chip Kidd é um dos mais aclamados designers editoriais da atualidade, criador de capas antológicas, como a do livro Jurassic Park, cuja ilustração inspirou a identidade visual do filme de Steven Spielberg."
Ler (e re-ouvir) o discurso do Gaiman me trouxe um mar de sensações muito, muito coloridas à mente. Lembram da resenha-impressão-de-leitura-caos que fiz de Respire Fundo, da Camila Marciano? Mencionei nela uma névoa turquesa com glitter, se recordam disso? Então, há tempos que eu tenho repensado minha arte por meio de reflexões e leituras, e tais reflexões se assemelham a uma névoa gostosa, como essa, em que eu me sinto plenamente satisfeita com os pensamentos, decisões, redecisões e afins.
Faça Boa Arte foi só a cerejinha do bolo.
Novamente vou dizer o que afirmei lá no texto de Respire Fundo: eu não critico quem faz literatura pensando em dinheiro. Boletos não se pagam sozinhos, e há aí um certo privilégio no discurso do Neil Gaiman motivado pelo fato de ele ter construído sua carreira sendo um homem branco, solteiro, sem filhos, nascido e criado na Inglaterra. Se ele fosse uma mulher solteira, com dois filhos, caixa de supermercado em Simão Pereira, Minas Gerais, a situação não seria tão... "simples" quanto poderia ser.
Mas, opa, foco nas aspas. "Simples". Ele mesmo menciona que não há essa simplicidade em todo o tempo. Que tudo pode parecer simples, mas no fundo pode ser difícil pra caramba. Então nem oito, nem oitenta aqui.
Voltando para a minha experiência com o texto, me vejo muito refletida no discurso do Gaiman quando ele diz que todo projeto movido por dinheiro deu errado.
Veja bem, só a trilogia Amor nas Alturas já bateu a incrível marca de UM MILHÃO DE LEITURAS na Amazon. Some a UM MILHÃO DE LEITURAS no Wattpad e você vai ver que eu jamais reclamaria de barriga cheia. Também não estou dizendo que tudo que fiz na primeira fase (Clara Taveira) e na segunda fase (C. Caraciolo) da minha escrita foi um fracasso. Jamais, amei escrever cada um dos livros que publiquei.

Não encontrei as capas antigas de Lena, mas tenho, é claro, as capas da trilogia separadamente. Você notou que a foto do livro físico (a que eu postei com link clicável mais acima) mostrou uma imagem só? É que a capa da trilogia completa é diferente da capa dos 3 livros de Amor nas Alturas.
Além do fato de uma capa ter sido feita por mim e por meu marido (dois professores de português e literatura e revisores) e de a outra capa ter sido feita pela Laís Lacet, uma designer profissional, há outras diferenças, notou? Se não, eu explico numa boa, vamos lá.
O ensaio dos dois livros é exatamente o mesmo: mesmos modelos, mesmo cenário, fotógrafo, roupas, etc. Inclusive, sigo o modelo, Artem, no Instagram, ele é divertidíssimo. Só que na capa profissional, eu não abri mão de algumas coisas que abri na capa amadora, por diversos motivos.
Lembrando: capa amadora é a vermelha. Profissional, a de colagem (mas acho que é óbvio, né?).

Além disso, há muito mais arte, montagens, colagens, elementos, cores, itens, conceito do que na primeira. Minhas amigas e colegas autoras são testemunhas de que eu queria uma capa com colagem artística desde 2015. Só em 2018 fui conseguir uma que me agradasse plenamente.
Parece bobagem, mas essas pequenas mudanças nas duas capas mostra muito sobre tudo que abri mão em minha arte quando estava em busca de dinheiro.
Ei, não há nada errado em buscar dinheiro com sua arte, já falei mil vezes! O problema é que para o Neil Gaiman e para mim, grana ser o único objetivo dela se torna um imenso elefante branco que senta com seu rabão gigante em cima de muita coisa importante.
Talvez hoje eu não faria a capa com esse ensaio, ainda que goste muito do Artem, das fotos, da celulite de Lena, discreta, mas presente, enfim. Gosto muito de tudo. Mas talvez, muito talvez, eu brincasse com outras coisas, como fiz com a capa de Não Me Dê Flores, ou como quando comprei a capa da LA Design (você pode ver todas essas capas no meu Facebook clicando aqui) para Formas de Amor, enfim, capas com ilustrações, brincadeiras e tudo mais.
Talvez, não sei. Há momentos e momentos. O próprio Gaiman diz que há livros dele que nunca conheceram a luz do dia. Então talvez Amor nas Alturas fique bem com essa roupa (linda) feita pela Lacet mesmo. Realmente não sei.
Uma das coisas mais curiosas sobre a (re)leitura desse texto é quando Gaiman menciona sobre as consequências da relação dinheiro-arte. Quando ele fala que fazer por dinheiro é ruim porque, caso não dê dinheiro, você talvez não tenha nada (nem $ nem orgulho pela obra), eu dei altas risadas. Porque é isso mesmo. Eu tenho livros que ficaram em primeiro lugar no ranking, mas que não me causaram TANTO prazer quanto uma novelinha que lancei um dia desses na Amazon, mas que não rendeu 1/3 do que outros livros meus.
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https://amzn.to/2RMELSe |
Fiquei triste? Absolutamente não. Poderia listar aqui umas 20 resenhas de blogueiras (parceiras ou não) e leitoras falando o quanto amaram Cinco Imprestáveis. Em um dia de lançamento, fiz um monte de gente rir e chorar com meu velho rabugento, e mesmo que o livro não pague nem uma conta de luz, eu ainda tenho a satisfação sensacional de saber que mexi com muita gente. Vou deixar de exemplo essa resenha aqui. Se quiser ver completa, é só clicar na foto.
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https://www.instagram.com/p/BouhuI0nL3k/ |
Porém, para mim (e vou enfatizar o "para mim" mil vezes), minha arte não pode ser movida pelos meus boletos. Por isso eu tenho dois empregos, para que não jogue uma carga desnecessária em cima do que eu escrevo. Por isso eu não tenho me importado mais com ranking, com leituras Kenp, com um monte de coisas que moviam tudo que eu fazia antigamente. Claro, continuo trabalhando arduamente na minha literatura, divulgando, fazendo parcerias, enfim.
Mas o objetivo agora é outro.
Todas essas reflexões sobre minha arte, minhas capas, minhas histórias, meus textos, enfim, tudo isso é algo que eu venho trabalhando nos últimos tempos. Como disse, o livro de Gaiman foi a cerejinha do bolo. Por essas e outras razões, eu digo com uma certeza que nem imaginava ter:
FAÇAM BOA ARTE.

Como prometido: teve bolo. Só não teve o vídeo. Mas joga no YouTube, que você acha rapidinho. Ah, e se for ler o livro, leia a versão física. É mais agradável que o e-book, que ficou meio caótico, ok?
Gostou desse caos e quer ler o livro? Comprando por esse link, você ajuda o CJL a se manter e não paga mais nada por isso. E ele tá em promoção, viu? Doze reais, olha que cremoso.
Editora Biblioteca Azul
Diário de Leitura com Spoiler #6 Fahrenheit 451, de Ray Bradbury
quinta-feira, outubro 11, 2018
| Por Raphael Pellegrini |
Passei algum tempo pensando no que deveria escrever sobre o final de Fahrenheit 451, principalmente porque dois trechos específicos tocaram em pontos sensíveis, que venho pensando já há uns bons anos.
"— Vocês realmente acham que eles ouvirão?
— Se não ouvirem, teremos simplesmente de esperar. Passaremos os livros adiante a nossos filhos, de boca em boca, e deixaremos que nossos filhos, por sua vez, sirvam a outras pessoas. É claro que muito se perderá dessa maneira. Mas não se pode obrigar as pessoas a escutarem. Elas precisam se aproximar, cada uma no seu momento, perguntando-se o que aconteceu e por que o mundo explodiu sob seus pés. Isso não irá demorar muito."
Sempre pensei nas possibilidades de ser professor, nas atribuições da profissão e em suas responsabilidades, que em muito se assemelham aos livros. O professor deve ensinar - a literatura deve mudar a forma como as pessoas percebem o mundo -, o professor, se for bom, sabe como prender a atenção da classe, sabe controlar a turma, sabe transpor seu conhecimento para o outro do modo certeiro. Bem, só o que foi esquecido nessa lógica é que "não se pode obrigar as pessoas a escutarem. Elas precisam se aproximar, cada uma no seu momento". É nesse momento que a escola como local privilegiado de transformação social fracassa. É nesse momento que olhamos assustados para as redes sociais e vemos o crescimento do movimento nazi-fascista dentro dos núcleos mais escolarizados.
Quando foi que, no meio dessa equação produtivista da vida, esquecemos que o tempo do outro, o pensamento do outro, a escuta do outro é do outro, e não nossa? De nada adiantam técnicas, metodologias, tecnologias se não existir uma relação humana, de respeito ao espaço individual e ao tempo do outro. Encontraremos apenas ouvidos fechados e pouco desejo de produzir uma conversa.
Sinto o mesmo em relação à literatura. Em tempos sombrios, é fácil encontrar o texto literário como veículo para um mundo melhor. Seu poder transformador é anunciado por aqueles que sentiram suas mudanças permeadas pela relação com as narrativas. E essa é a questão: eram pessoas que desejavam escutar, que acreditavam que aquele momento era o seu momento de ouvir uma história, de baixar a guarda e suspender seus julgamentos, para então pensar junto com o livro.
"Elas precisam se aproximar, cada uma no seu momento..."
E os momentos de cada um não podem ser definidos no horário escolar, no grupo de leitura ou no tempo de campanha eleitoral. O tempo não pode ser linearizado em função da necessidade do outro. O tempo é sempre individual, singular, e não pode ser controlado pelo desejo do outro. É nesse ponto que acabo me colocando - quando assumo o papel de professor - como um dos andarilhos de Fahrenheit 451.
"— Fênix.
— O quê?
— Nos tempos antes de Cristo, havia uma ave estúpida chamada Fênix que, a cada cem anos, construía uma pira e se consumia em suas chamas. Deve ter sido prima-irmã do homem. Mas, toda vez que se queimava, ressurgia das cinzas e novamente renascia. E parece que estivemos fazendo e refazendo inúmeras vezes a mesma coisa, só que com uma vantagem que a Fênix nunca teve. Nós sabemos a estupidez que acabamos de cometer. Conhecemos todas as coisas estúpidas que estivemos fazendo nos últimos mil anos. Desde que não nos esqueçamos disso, que sempre tenhamos algo para nos lembrar disso, algum dia deixaremos de construir as malditas piras funerárias e de saltar dentro delas. A cada geração, escolheremos mais algumas pessoas que se lembrem disso."
Por isso penso na importância das narrativas, na força de contar histórias, percursos, movimentos humanos possíveis. São formas de guardar vida e história, que, talvez, um dia, para alguém disposto a se aproximar, possam produzir um pouco de questionamento sobre algo que viveu ou que está vivendo. Penso a literatura como a potência do encontro inesperado. Literatura como acontecimento.
A leitura também me levou para um outro debate interno - esse quase mencionado em todos os últimos textos - sobre a possibilidade de queimarmos livros simplesmente por eles não atenderem a certos requisitos sociais de nosso tempo. Sei que aquilo que escreverei pode ser desviado para caminhos muito violentos, porém é preciso ter a coragem de Montag e romper com o pensamento que vem ganhando cada vez mais força.
Muito se disse sobre o quanto a obra de Monteiro Lobato é racista. Bem, isso é verdade. Praticamente todos os trechos compartilhados na internet que mostram traços racistas são verdadeiros. Imediatamente surgiram as perguntas: o que faremos com esses livros? Como podemos oferecer para nossas crianças obras racistas?
E, em seguida, a solução: Monteiro Lobato é um racista babaca e ninguém deveria mais comprar esses livros. É racista e não deveria nem ser publicado. É uma vergonha uma editora lançar uma obra infantil racista.
Engraçado como as palavras de Beatty parecem tomar forma.
Por outro lado, poderíamos fazer o caminho reverso ao da fogueira. Poderíamos, sim, assumir o racismo presente naquela obra e também naquele tempo. Reinações de Narizinho é publicado em 1921, pouco mais de 30 anos após a abolição da escravatura. Somos racistas mesmo depois de quase 100 anos, o que são trinta nessa conta?
Poderíamos exigir edições críticas, comentadas, em que teríamos acesso às possibilidades do texto literário e à contextualização de seu tempo e do nosso. Poderíamos abrir espaço para que pesquisadores negros falassem do preconceito sofrido por um grupo da nossa sociedade. Poderíamos explorar a obra para produzir debate, para produzir escuta, reflexão e, quem sabe, algum tipo de mudança.
Mas a solução mais aclamada na maior parte dos espaços é a fogueira.
Por isso a fala de Granger é tão importante:
"Conhecemos todas as coisas estúpidas que estivemos fazendo nos últimos mil anos. Desde que não nos esqueçamos disso, que sempre tenhamos algo para nos lembrar disso, algum dia deixaremos de construir as malditas piras funerárias e de saltar dentro delas"
Por isso a literatura como resposta a um tempo e como receptáculo de vida se torna tão importante, se desejarmos parar de nos lançar na pira funerária novamente. Não será fabricando artificialmente nossa história que poderemos para de nos atirar no fogo.
| Por Clara Taveira |
Eis que encontrei por cinco reais em um dos camelôs-sebos-barraquinhas de livros do Catete, no Rio de Janeiro, e pensei em dar uma segunda chance.
Que bom que dei.
A prosa de Antoine me lembrou bem de leve a de Patrick Modiano (que, inclusive, é um personagem secundário na história!), o que é de um prazer muito suave e gostoso. A história me incomodou um pouco pela ausência de travessão nos diálogos, então fiquei um pouco confusa no começo, mas depois que peguei, fui. Li em um ou dois dias, de noite, antes de dormir.
Confesso que não tenho interesse em livros que "retratem a cena da cidade/país tal", então não me importei muito com detalhes sobre Paris e tudo. Mas, salvo isso, foi uma história muito, muito gostosa de ler. Vou deixar a sinopse, como de costume:
"Caminhando pelas ruas de Paris em uma manhã tranquila, o livreiro Laurent Letellier encontra uma bolsa feminina abandonada. Não há nada em seu interior que indique a quem ela pertence – nenhum documento, endereço, celular ou informações de contato. A bolsa contém, no entanto, uma série de outros objetos. Entre eles, uma curiosa caderneta vermelha repleta de anotações, ideias e pensamentos que revelam a Laurent uma pessoa que ele certamente adoraria conhecer. Decidido a encontrar a dona da bolsa, mas tendo à sua disposição pouquíssimas pistas que possam ajudá-lo, Laurent se vê diante de um dilema: como encontrar uma mulher, cujo nome ele desconhece, em uma cidade de milhões de habitantes? "
A história tem detalhes muito cremosos. Você se sente parte de um momento um tanto quanto confuso do Lorrâ (porque eu só sei chamar ele assim) enquanto tenta desvendar quem é a dona da bolsa, assim como fica presa na história tentando descobrir o que houve com a moça. A narrativa é um cadiiinho, mas bem cadinho mesmo, travadinha de vez em quando, mas isso é compensado pela riqueza de detalhes sobre livros, livraria, pessoas e, claro, os itens da tal bolsa.
(Né muito Modiano isso de um milhão de detalhes de objetos?)
(Né muito Modiano isso de um milhão de detalhes de objetos?)
A caderneta que dá nome ao livro me fez querer ressuscitar um velho hábito de escrever em cadernos ou agendas, pois o modo não linear com o qual sua dona escreve me causou um prazer estético maravilhoso. Nunca fui muito boa em trabalhar de um jeito metódico e 100% organizado no que diz respeito ao que escrevo (seja ficção ou não ficção), então senti uma identificação.
Por último, menciono que se trata de uma história de um possível amor, ou não. De uma possível amizade, ou não. De um possível relacionamento, ou não. E isso é muito gostoso, pois te segura e te motiva a correr pelas ruas de Paris atrás ou da moça ou do livreiro.
Ah, claro: estou numa fase de leituras em livrarias, bibliotecas. Personagens livreiros têm me conquistado, tanto é que já pulei desse para A Pequena Livraria dos Corações Solitários (que é beeem diferente, mas me conquistou por ser um uplit... em livraria). Lorrâ me parece um cara meio perdido, meio sonhador, trabalhando em uma livraria, então isso o tornou um dos personagens masculinos mais adoráveis desse ano.
Preciso mencionar que o associei diretamente ao Nino Quincampoix, do Fabuloso Destino de Amélie Poulain. Pensando bem, há algumas outras semelhanças entre o livro e o filme, sabia? Só agora, no final dessa resenha/impressão de leitura, é que me dei conta... Mas não vou mencionar quais, vai perder a graça. Vamos ficar somente com Nino-Lorrâ e uma história com sabor de café coado com biscoitinhos amanteigados.
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Editora Biblioteca Azul
Diário de Leitura com Spoiler #5 Fahrenheit 451, de Ray Bradbury
terça-feira, outubro 09, 2018
| Por Raphael Pellegrini |
O drama de Montag tem sido um pouco também o meu. O orgulho do discurso de Beatty, ao contar como a sociedade pós-livro se constitui, é assustador. O resumo do resumo do resumo, livros que se transformam em manchetes e, por que não, manchetes que se transformam em hashtags. Em paralelo, a busca pela permanente felicidade, pela anestesia, pelo entretenimento em todos os lugares, vindo até mesmo das paredes de sua casa (Hololens, é você?)
"Clássicos reduzidos para se adaptarem a programas de rádio de quinze minutos, depois reduzidos novamente para uma coluna de livro de dois minutos de leitura, e, por fim, encerrando-se num dicionário, num verbete de dez a doze linhas. Estou exagerando, é claro. Os dicionários serviam apenas de referência.
O nazismo é de esquerda. Comunista!
"Resumos de resumos, resumos de resumos de resumos."
Bolsonazi! x Fora PT!
"Política? Uma coluna, duas frases, uma manchete!"
Por isso tem sido tão impactante reconhecer o livro todo dia quando desço para ir na esquina. Ontem meu porteiro, hoje a conversa compartilhada no elevador, mas, em todos os casos, sempre resumos rápidos, afinal não podemos desperdiçar tempo. Não temos tempo para nada.
Será?
"A escolaridade é abreviada, a disciplina relaxada, as filosofias, as histórias e as línguas são abolidas, gramática e ortografia pouco a pouco negligenciadas, e, por fim, quase totalmente ignoradas. A vida é imediata, o emprego é que conta, o prazer está por toda parte depois do trabalho. Por que aprender alguma coisa além de apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas?"
E assim vamos deixando de lado um outro tempo, que é de si, do self, do pensamento que não se faz instantaneamente, na velocidade de um interruptor de luz, e que não precisa ter utilidade, aplicabilidade prática.
Lembrei de quando publiquei um vídeo no Facebook e a plataforma me mostrou que a taxa de retenção nos primeiros quinze segundos era de quase 70%, o que me levou a pensar: qual conteúdo eu seria capaz de produzir em 15/30 segundos? Porque assim eu conseguiria passar minha mensagem para mais pessoas. Não cheguei a uma conclusão na época, mas hoje me dou conta de que é impossível transmitir o que desejo em 30 segundos, um minuto ou dez, simplesmente porque criar qualquer tipo de conexão demanda o movimento oposto, o de não resumir, o de não simplificar, o de não automatizar a relação, e o tempo para isso é outro, não segue a cronologia do mercado.
"— Você é um romântico incurável — disse Faber. — Seria cômico se não fosse trágico. Não é de livros que você precisa, é de algumas coisas que antigamente estavam nos livros. As mesmas coisas poderiam estar nas “famílias das paredes”. Os mesmos detalhes meticulosos, a mesma consciência poderiam ser transmitidos pelos rádios e televisores, mas não são. Não, não. Absolutamente não são os livros o que você está procurando! Descubra essa coisa onde puder, nos velhos discos fonográficos, nos velhos filmes e nos velhos amigos; procure na natureza e procure em você mesmo. Os livros eram só um tipo de receptáculo onde armazenávamos muitas coisas que receávamos esquecer. Não há neles nada de mágico. A magia está apenas no que os livros dizem, no modo como confeccionavam um traje para nós a partir de retalhos do universo. É claro que você não poderia saber disso, é claro que você ainda não pode entender o que quero dizer com tudo isso. Mas intuitivamente está certo, isso é o que conta. Três coisas estão faltando. A primeira: você sabe por que livros como este são tão importantes? Porque têm qualidade. E o que significa a palavra qualidade? Para mim significa textura. Este livro tem poros. Tem feições. Este livro poderia passar pelo microscópio. Você encontraria vida sob a lâmina, emanando em profusão infinita. Quanto mais poros, quanto mais detalhes de vida fielmente gravados por centímetro quadrado você conseguir captar numa folha de papel, mais “literário” você será. Pelo menos, esta é a minha definição. Detalhes reveladores. Detalhes frescos. Os bons escritores quase sempre tocam a vida. Os medíocres apenas passam rapidamente a mão sobre ela. Os ruins a estupram e a deixam para as moscas. Entende agora por que os livros são odiados e temidos? Eles mostram os poros no rosto da vida. Os que vivem no conforto querem apenas rostos com cara de lua de cera, sem poros nem pelos, inexpressivos. Estamos vivendo num tempo em que as flores tentam viver de flores, e não com a boa chuva e o húmus preto. Mesmo os fogos de artifício, apesar de toda a sua beleza, derivam de produtos químicos da terra. No entanto, de algum modo, achamos que podemos crescer alimentando-nos de flores e fogos de artifício, sem completar o ciclo de volta à realidade. Você conhece a lenda de Hércules e Anteu, o gigantesco lutador cuja força era invencível desde que ele ficasse firmemente plantado na terra? Mas quando Hércules o ergueu no ar, deixando-o sem raízes, ele facilmente pereceu. Se não existe nessa lenda nenhuma lição para nós hoje, nesta cidade, em nosso tempo, então sou um completo demente. Bem, aí temos a primeira coisa de que precisamos. Qualidade, textura da informação."
Por isso, estipulei horários fixos em que me permito mergulhar no mundo e um horário fixo em que desacelero o tempo e volto para um vida diferente. O resultado disso é que tenho lido mais, tenho debatido mais e tenho até conseguido escrever um pouco, o que tem me feito muito bem.
Fahrenheit 451 tem sido brilhante em seu traje de mundo.
| Por Clara Taveira |
Pois é, cá estou eu num daqueles momentos em que não sei muito o que falar de um livro. O desejo é somente dizer que ele é lindo, lindo, lindo e me perder num mar de adjetivos doidos (como foi no Instagram Os 111 Livros de Clara - inclusive, segue lá). Mas prometo fazer um esforço aqui e falar mais sobre o livro do que na última resenha/impressão de leitura. Chega mais.
"Quando Annie McDee encontra um quadro sujo em um obscuro brechó, ela não tinha ideia do que descobriu. Chef talentosa, mas falida, Annie cedeu ao impulso e gastou as últimas libras que tinha no bolso em um presente para um homem que mal conhecia. Enquanto se debate com a solidão de um coração partido e a falta de perspectiva, ela está longe de imaginar as repercussões de sua pequena extravagância: singelamente pendurada em sua casa está agora uma obra-prima.
De repente, Annie se vê sugada pelo tumultuado mundo das artes de Londres, povoado por socialites, oligarcas russos, leiloeiros desesperados e comerciantes sem escrúpulos, todos planejando colocar as mãos em sua grande descoberta.
Na tentativa de desvendar o passado da pintura, Annie descobrirá não apenas uma lista de antigos proprietários ilustres, mas alguns dos segredos mais sombrios da história europeia. E, quem sabe, se abrir novamente ao amor."
Já comecei roubando, né? Socando a sinopse para dar mais corpo ao texto? Não, juro, não foi esse o objetivo. Só quis trazer a sinopse para dizer algo: ela não dá conta do livro. Dá não, sério. Quando li, achei bacana, juro que achei, mas ao mesmo tempo pensei "lá vem mais um romance igual a outros 489 que já li". Aí comecei a ler e mordi a língua. "Não julgue o livro pela sinopse" é o novo "não julgue o livro pela capa"? Não sei, mas enfim: a sinopse não faz jus ao livro.
A Improbabilidade do Amor é um livro de fôlego. Principalmente para quem estava de ressaca literária semanas atrás, como eu: há mil detalhes sobre arte, culinária, história, tudo muito rico - e muito "afastável" para um leitor impaciente.
Mas apesar dos pesares, sou muito, muito paciente com livros que me interessam. Então me joguei de cabeça nele, e vou te falar: amei cada momento. A riqueza de detalhes sobre a paixão de Annie pela culinária, somada a outras riquezas minuciosas, como história da arte, do mercado de obras, mesmo a trajetória da pintura que dá nome ao título, seu passado contado, pasmem, por ela mesma, o remexer de um legado riquíssimo e controverso de uma poderosa empresa, tudo, tudo é minunciosamente contado de forma a te enfiar na história de um jeito que você não sai - nem se quiser.
Confesso que, no meio do livro, ele fica um cadinho morno. Deixa, momentaneamente, de ser fascinante, mas isso logo acaba à medida que você, teimoso, prossegue com a leitura. Os muitos personagens vão tomando forma em sua mente, o resgate das memórias do quadro de Watteau e as buscas de Rebecca (uma personagem que começa apagada, mas vai crescendo ao longo da história) por uma verdade até então inquestionável são temperos incríveis para pensarmos (e repensarmos) a monetização exacerbada da arte, bem como suas consequências.
Um dos momentos mais incríveis, ao meu ver, é quando Annie revela gostar mais da culinária enquanto arte do que de quadros. Seus argumentos (e não vou citá-los, seria um spoiler sem gosto) são tão deliciosos, que confesso: concordei com todos eles. Inclusive, refleti muito sobre a questão do que é arte ou não, principalmente no que tange a moda e costura, uma de minhas formas de se expressar favoritas, além da literatura. É só tecido, é só letra? Como diria a própria pintura, ela própria é só pano com poeira e tinta numa moldura bonita, mas faz diferença no preço e reconhecimento do objeto artístico?
Curiosamente, essa reflexão me veio exatamente no momento em que uma obra de arte do Banksy "se destruiu" após ser vendida por um milhão de libras - o que foi um valor baixíssimo, comparado com os outros preços de outras obras detalhadas no livro.
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Foto: Portal R7 |
Terminei o livro em uma sentada. Como disse, do meio para o final, a ação cresce e culmina num desfecho não esperado (mas esperado, ao mesmo tempo), então foi difícil soltar o livro até saber o que aconteceria. O modo como a narrativa é construída é muito curioso, então não tenho do que reclamar de absolutamente nada sobre o livro - nem sobre o meiuco meio insosso, sabia?
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Clicando aqui, você vai para o Instagram "Os 111 Livros de Clara". Lá, posto fotos bonitcheenhas e textos sobre os livros. Mas nunca resenhas, no máximo impressões de leituras. :) |
AIDA (sim, eu uso siglas sempre, não desistam de mim) consumiu o restante da minha ressaca literária, me fez mergulhar em um mundo de arte tão intenso, que me fez repensar a minha própria arte, meus livros, o modo como eu conto minhas histórias e como narro as coisas. Quando um simples livro te faz olhar para o modo como você lida com o que trabalha, é porque, como diria o poeta, "o bagulho foi sério".
Por essas e outras, creio ser o melhor livro do ano. Mas eu comprei outros quatro da editora, a Morro Branco, vai que eu mude de ideia ainda, não?
Esse livro só tem versão física. Mas além de ser um preço show de bola, o projeto gráfico dele é muito lindo, então vale totalmente a pena. Comprando por esse link, você ajuda o CJL a se manter e não paga nada por isso :)
Editora Biblioteca Azul
Diário de Leitura com Spoiler #4 Fahrenheit 451, de Ray Bradbury
sexta-feira, outubro 05, 2018
| Por Raphael Pellegrini |
Sexta-feira, cinco de outubro de dois mil de dezoito, e eu sinto medo. Eu leio Fahrenheit 451 como um desafio a esse medo, como enfrentamento de um pensamento que teima em caminhar para outros textos. Para o livro do Milton Hatoum que ainda não li, e que nem sei se daqui a dois anos Montag já não terá agido (penso que esse primeiro volume da trilogia poderá ser o único a ser lançado). Para o livro de Benedetti, que resenhei aqui nesse blog (que já foi outro antes desse). Para Modiano, ou para Primo Levi, quando a ideia se torna extrema.
" - É um trabalho ótimo. Segunda-feira, Millay; quarta-feira, Whitman; sexta-feira, Faulkner. Reduza os livros às cinzas e, depois, queime as cinzas. Este é o nosso lema."
E na minha cabeça essa fala não acabou aí. Montag também falou de Ana Maria Machado e de Luiz Puntel. E de... Bem, eu preferi não pensar e não olhar mais para o lado. Preferi não imaginar tanto, porque a tristeza é certeira. Conversamos sobre mudanças de planos, viradas que não gostaríamos de dar, mas que são necessárias quando tudo fica mais difícil. A gente até se pergunta: mas será que só eu estou sentindo isso? Será que é só comigo?
"Não tenho amigos. Isso é o bastante para provar que sou anormal. Mas todos que conheço estão gritando ou dançando por aí como loucos ou batendo uns nos outros. Você já notou como as pessoas se machucam entre si hoje em dia?"
Em casa a gente conversa. Passamos o dia fazendo isso. Bem, é nosso trabalho escutar essas vozes e, em alguns casos, trocar uma palavra por outra, sem, de fato, mudar muita coisa. Palavra por palavra, palavra na palavra, palavra com mais palavra. Mas mesmo resistindo no dizer, também dizemos do nosso receio, que vai muito além do salário ou daquele lançamento desejado. É um receio da potência do sabujo, e da necessidade da epígrafe do texto de Bradbury: "Se te derem papel pautado, escreve de trás para frente."
Essa é uma sexta-feira diferente de todas as 1700 que vivi, e não pela unicidade da vida, mas porque o medo é verdadeiro. Porque enfim parimos uma identidade, e a criança é feia. Poderia até ser anunciado seu nascimento da seguinte forma:
No fundo do rede-social nasceu o VerdeAmarelo, herói de nossa gente. Era branco leitoso e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo da televisão, que a bela, Pátria Amada pariu uma criança feia.
Bom domingo.