Imagine uma história infantil sobre uma mocinha com poderes mágicos que tenta salvar o mundo. Ok, até aí nada de muito novo, certo?
Agora imagine também que nessa mesma história encontramos um enredo gracioso, um traço incrivelmente doce e humor suficiente para agradar diversos tipos de criança. Opa, agora a história ficou um pouco mais interessante, certo?
Para finalizar, imagine que a mesma história não possui um traço de crueldade ou discriminação e que valores como amizade, amor e laços familiares são constantemente apresentados. Conseguiu imaginar?
Essa é a história de Cardcaptor Sakura, também conhecido como Sakura Card Captors (com S no final, porque o tradutor fumou um orégano antes de começar a trabalhar), mangá publicado em 1998 aqui no Brasil e relançado em 2013, pela JBC.
Sakura Kinomoto é uma menina de 10 anos de idade, que mora com seu irmão mais velho Touya, estudante de ensino médio, e com seu pai, Fujitaka, professor de arqueologia de uma faculdade. Sua mãe, Nadeshiko, morreu quando Sakura era bem pequena, mas Fujitaka mantém a memória da esposa viva colocando fotos di-vi-nas pela casa. Nadeshiko era modelo, por isso a quantidade de fotos diferentes que a família Kinomoto tem da mãe é bem grande. Além disso, é característica da Clamp não repetir as roupas das personagens femininas, então a cada capítulo a ex-modelo aparece deslumbrante em roupas e cenários diferentes.
Sakura vive uma vida normal, sem grandes novidades: é líder de torcida na escola, não consegue gostar de matemática, tem uma paixão obsessiva platônica por Yukito, melhor amigo de seu irmão, e é querida pelas colegas de escola, em especial por Tomoyo, que nutre uma admiração quase romântica (quase = eufemismo) pela amiga.
Tudo segue nos conformes, até o dia em que Sakura encontra um livro misterioso na biblioteca de sua casa e o abre. É nesse momento que sua aventura começa: ela, sem querer, deixa escapar as Cartas Clow, cartas mágicas criadas pelo Mago Clow, um poderoso homem que viveu há muitos anos no Japão. Kerberus, o guardião destraído do lacre do livro, acorda e a informa que sua missão agora é reunir todas as Cartas que deixou escapar. Para isso, Kerberus (lindamente apelidado de Kero, redução explicada pelo seu tamanho, digamos... colossal) lhe dá a Chave do Lacre, que se transforma no Báculo. Com ele, Sakura consegue fazer com que a carta Clow se transforme de novo em... Carta. É confuso, mas é simples, entendeu?
"Ok, Clara, mas até agora não vi nada do que você disse sobre preconceito e tals..."
Calma, que eu chego lá! A Sakura, como eu já disse anteriormente, é apaixonada pelo Yukito. Só que o Yukito não corresponde seus sentimentos por dois motivos: primeiro porque ele tem mais ou menos 17 anos e a Sakura tem 10. Segundo porque ele já ama outra pessoa. Chutem quem é!
Sim, o irmão de Sakura, Touya! Não, não estou dando spoilers, porque, ao menos para mim, isso sempre foi nítido, desde o primeiro capítulo.
Além disso, Tomoyo, a melhor amiga de Sakura, também é apaixonadíssima por ela. Muito apaixonada. Muito. MUITO. A diversão da menina é filmar Sakura com sua câmera e costurar roupas para a amiga, coisa que, por sinal, ela faz muitíssimo bem, como mostrarei mais adiante.
"Tá, ok, há relações gays na história. E daí?"
E daí que o modo como elas são abordadas é MA-RA-VI-LHO-SO. Não é artificial, como em algumas novelas, sabe? Yukito e Touya se amam. É isso. Eles se amam.
Mesma coisa com Tomoyo, que ama Sakura. Por mais que o amor dela seja um pouquiiiinho exagerado, não há nenhuma insinuação de que isso é errado ou feio, ou que Deus vai descer e castigá-la.
Shoran também é apaixonado por Yukito, mas não há nenhuma reação de espanto dos colegas em relação a isso. A Clamp fez com CSS o que pouquíssimas pessoas conseguiram fazer: tratar algo normal COMO ALGO NORMAL, e não como uma aberração, ou como algo novo que temos que nos acostumar ou qualquer um desses papinhos preconceituosos que escutamos por aí. Isso, em um mangá infantil, é EXTREMAMENTE BEM-VINDO!
Mesma coisa com Tomoyo, que ama Sakura. Por mais que o amor dela seja um pouquiiiinho exagerado, não há nenhuma insinuação de que isso é errado ou feio, ou que Deus vai descer e castigá-la.
Shoran também é apaixonado por Yukito, mas não há nenhuma reação de espanto dos colegas em relação a isso. A Clamp fez com CSS o que pouquíssimas pessoas conseguiram fazer: tratar algo normal COMO ALGO NORMAL, e não como uma aberração, ou como algo novo que temos que nos acostumar ou qualquer um desses papinhos preconceituosos que escutamos por aí. Isso, em um mangá infantil, é EXTREMAMENTE BEM-VINDO!
Além disso, CCS também mostra diversas relações exemplares: a família Kinomoto é bem unida, todos ajudam nas tarefas de casa, todos se protegem e se amam. Na escola, a relação entre alunos e professores também é de mútuo respeito e colaboração. Mesmo entre os personagens rivais, como Sakura e Li na primeira fase do mangá, Touya e Li, Li e Eriol, personagem da segunda fase, são construídas relações respeitosas. Ninguém tenta puxar o tapete de ninguém, não há ofensas ou agressões e tudo é resolvido com conversas e ações positivas. A prova disso é a mudança de postura de Shoran Li com Sakura na segunda fase do mangá.
Ok, há algo MUITO ruim em CCS: há um professor apaixonado por uma aluna. E, sim, eles são namorados. PÉSSIMO. Horrível. Eu adoro ignorar essa parte, porque blá, blá, blá, século passado, cultura deles, enfim. O troço é escrito de modo respeitoso, mas, convenhamos, nada muda o fato de que ele é maior de idade, e ela, menor. Não tem desculpa!
O lance é tão discutido, que no arco novo de CCS, que começou a ser lançado em 2016, eles não citaram o relacionamento bizarro dos dois: simplesmente sumiram com os personagens. Não é bem o modo que eu penso ser o certo para resolver esse relacionamento horrível, mas já é alguma coisa. Gosto de gente que reconhece seus erros, muito obrigada!
Ok, há algo MUITO ruim em CCS: há um professor apaixonado por uma aluna. E, sim, eles são namorados. PÉSSIMO. Horrível. Eu adoro ignorar essa parte, porque blá, blá, blá, século passado, cultura deles, enfim. O troço é escrito de modo respeitoso, mas, convenhamos, nada muda o fato de que ele é maior de idade, e ela, menor. Não tem desculpa!
O lance é tão discutido, que no arco novo de CCS, que começou a ser lançado em 2016, eles não citaram o relacionamento bizarro dos dois: simplesmente sumiram com os personagens. Não é bem o modo que eu penso ser o certo para resolver esse relacionamento horrível, mas já é alguma coisa. Gosto de gente que reconhece seus erros, muito obrigada!
Saindo um pouco do quesito enredo, temos a questão gráfica que, SANTO DEUS, QUE COISA MAIS LINDA! Eu sou perdidamente apaixonada pela arte de Sakura. Tudo é muito bem feito, com destaque para o figurino de Sakura. Como eu comentei antes, a Clamp não curte muito repetir a mesma roupa, por isso, Sakura possui um guarda-roupa de fazer inveja à Victória Beckhan. Desde as roupas casuais até as roupas de combate, feitas por Tomoyo, todas as roupas são extremamente originais e belíssimas.
Os personagens e cenários também são lindamente desenhados. É comum a presença de flores espalhadas por todo o mangá. Apareceu um professor novo? Flores ao redor dele. Yukito deu uma bala para Sakura? Flores ao redor deles. Parece brega, mas, num contexto geral, fica muito bonito e agradável de se ver.
Por último, o trabalho da Clamp com as cores é uma coisa de louco! É tão bem feito, mas tão bem feito, que me dá vontade de ir pro Japão implorar por mais cores e mais artbooks! Duvida que seja tão lindo? Coloca no Google "Card Captor Sakura artbook" e me diz se não é arte de primeira?
Em suma, o que poderia ser apenas mais um mangá bobinho do gênero maho-shojo, ou seja, uma história com personagem feminina com poderes mágicos e paixonites, se torna uma história muito bem construída, com enredo leve e muito divertido, uma pequena pitada de drama e uma boa dose de entretenimento.
Para mim, Sakura Card Captor sempre foi e sempre será um mangá para se ler, reler, dar para os filhos e amar.
Claro, ressaltando que alunos e professores não podem namorar. É sempre bom lembrar disso, né?
É.
Claro, ressaltando que alunos e professores não podem namorar. É sempre bom lembrar disso, né?
É.